"ZELOTA - A VIDA E A ÉPOCA DE JESUS DE NAZARÉ
Olá, amigos de “TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE”
Desde o segundo semestre do ano passado aguardávamos o lançamento no
Brasil da obra de Reza Aslan – “Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré”.
O livro despertou meu interesse por si mesmo, uma vez que a
temática sobre o Jesus histórico é de sumo interesse para mim e foi através
desse estudo que iniciei minha caminhada acadêmica desde 2004.
Logo no início da obra, o autor coloca um depoimento de sua vida
pessoal com o qual muito me identifiquei. (Nota do autor, pag. 11 à 15)
Assim como eu, ele quanto mais estudava a Bíblia, percebia “a distância
entre o Jesus dos evangelhos e o Jesus da História”.
Nos estudos a nível superior, ele tanto quanto eu, e tanto quanto a
outros estudiosos, percebeu que “a Bíblia está repleta de gritantes e evidentes
erros e contradições tal como seria de esperar de um documento escrito por
centenas de mãos diferentes através de milhares de anos”.
Ele, tanto quanto eu, mergulhou durante sua vida acadêmica, no
estudo da Bíblia “não como um crente incondicional, mas como um estudioso
inquisitivo”.
Quanto mais ele “aprendia sobre a vida do Jesus histórico, o mundo
turbulento em que ele viveu e a brutalidade da ocupação romana que ele
desafiou, mais era atraído por ele”. O que também aconteceu comigo.
Mais adiante (Introdução – pag. 23) Reza apresenta o objetivo de
seu livro:
“Este livro é uma tentativa de recuperar, tanto quanto possível,
o Jesus da história, o Jesus antes do cristianismo: o revolucionário judeu
politicamente consciente que, há 2 mil anos, atravessou o campo galileu reunindo seguidores para um movimento com o objetivo
de estabelecer o Reino de Deus, mas cuja missão fracassou – ele foi preso e
executado por Roma pelo crime de sedição. É também sobre como, após Jesus ter
fracassado em estabelecer o Reino de Deus na terra, seus seguidores
reinterpretaram não só a missão e a identidade de Jesus, mas também a própria
natureza e definição do messias judeu.”
O autor consegue plenamente e com brilhantismo realizar sua
intenção de “divulgar conteúdos que já são conhecidos dos estudiosos da Bíblia
e difundi-los junto a um público mais amplo do que o acadêmico”.
Nessa nova postagem, reunimos material de várias entrevistas dadas
pelo autor depois que sua obra se tornou o assunto do dia, publicadas em
revistas e jornais e a transcrição de sua entrevista no programa da Globo News –
“Milênio” transmitida em 24/01/2014.
Boa leitura!
REZA ASLAN: UM MUÇULMANO CONTA A HISTÓRIA DE UM JESUS REBELDE
AUTOR DE
UM POLÊMICO LIVRO SOBRE A VIDA DE JESUS CRISTO, O AMERICANO REZA ASLAN AFIRMA
QUE O FILHO DE MARIA FOI O MAIOR REVOLUCIONÁRIO DE TODOS OS TEMPOS
Reza
Aslan é um acadêmico, com mestrado em Teologia na Universidade de Harvard e
doutorado em História das Religiões na Universidade da Califórnia, em Santa
Bárbara, mas seu livro “Zelota – a vida e a época de Jesus de
Nazaré” (308 páginas, Zahar Editora) conquistou o grande público.
Razões alheias ao seu conteúdo contribuíram para que a obra virasse best-seller
nos EUA.
No
dia 26 de julho de 2013, dez dias após o lançamento norte-americano do livro,
Aslan foi hostilizado por Laura Green, âncora da emissora conservadora
norte-americana Fox News.
Ele fora convidado para falar sobre seu livro: um polêmico ensaio em que afirma que Jesus foi um revolucionário. “Você é muçulmano, então por que escreveu um livro sobre o fundador do cristianismo?”, perguntou a apresentadora. Reza Aslan, calmo, sem se descompor, explicou-lhe que ele é “um estudioso das religiões, com quatro graduações, incluindo uma sobre o Novo Testamento, com fluência em grego bíblico, que estudou as origens do cristianismo por duas décadas e que, sim, é muçulmano”.
Ele fora convidado para falar sobre seu livro: um polêmico ensaio em que afirma que Jesus foi um revolucionário. “Você é muçulmano, então por que escreveu um livro sobre o fundador do cristianismo?”, perguntou a apresentadora. Reza Aslan, calmo, sem se descompor, explicou-lhe que ele é “um estudioso das religiões, com quatro graduações, incluindo uma sobre o Novo Testamento, com fluência em grego bíblico, que estudou as origens do cristianismo por duas décadas e que, sim, é muçulmano”.
A apresentadora, porém, não desistiu; continuou
lhe fazendo a mesma pergunta, sugerindo que o estudioso expressou no livro
opiniões baseadas na sua fé e não nas suas competências acadêmicas.
A
entrevista se tornou viral: desde o dia 26/07/2013, ela foi vista milhões de
vezes na internet. Uma publicidade que ajudou as vendas, tanto que a Random
House, a editora, já imprimiu mais 50 mil cópias, de um total de 150 mil.
“Ser atacado de falta de jesusidade por uma âncora da Fox News
é aparentemente um bom caminho para conduzir seu livro ao número 1 das listas”,
comentou Adam Gopnick, na revista “New Yorker”.
O OUTRO JESUS
TRECHOS DA REPORTAGEM DE
MASSIMO VINCENZI, PUBLICADA NO JORNAL LA
REPUBLICA, EM 03 de dezembro de 2013
Reza
Aslan, 41 anos, leciona na Universidade da Califórnia. Escritor e jornalista
nascido no Irã, chegou aos Estados Unidos com a família depois da revolução de
Khomeini. Seu livro foi publicado também na Itália agora com o título “Gesù il
ribelle” e nos EUA ele domina a lista dos mais vendidos há meses, começando
pelo New York Times, que se levantou em defesa do autor.
A ideia do livro é de contar a figura
de Cristo, separando a verdade histórica do mito posterior.
Uma operação amplamente explorada por outros no passado, mas convincente, com
uma narrativa fluida, sem nunca ferir a sensibilidade do leitor, mesmo o mais
religioso. Não há provocação, não há sarcasmo, mas apenas a vontade de
entender.
Em relação à entrevista concedida à Fox News Reza Aslan
declarou:
“Também
foi minha culpa, eu devia esperar pelo que aconteceu, afinal aquela rede de TV
construiu o seu sucesso sobre posições muito conservadoras e radicais: o medo
do Islã é uma das suas marcas registradas. Mas o que me impressionou foi a
maneira inexorável com que eu fui atacado. A apresentadora nunca fala do livro,
eu nunca conseguia expor as minhas teses: elas não lhe interessavam, ela só
queria me colocar em apuros, expor-me ao ridículo. E é o mesmo modo com que sou
agredido nas redes sociais: ninguém nunca entra no mérito das minhas ideias. Só
insultos baseados em estereótipos”.
Ele também explicou porque como estudioso optou por se ocupar
de Jesus Cristo, sobre o qual há uma vasta produção literária:
“Jesus
é a pessoa mais importante dos últimos 2 mil anos, está na base da civilização
ocidental. Eu queria separar a sua
realidade histórica do mito religioso, que é posterior. Eu queria explicar como um agricultor pobre
e analfabeto conseguiu fundar um movimento revolucionário em defesa dos
deserdados e dos marginalizados, chegando a desafiar de maneira direta o poder
romano e das hierarquias judaicas. Interessava-me imergir o Cristo na sua
época, ver suas ações relacionadas com os eventos daquele período: ações e
reações. Porque, se pensarmos na sua dimensão religiosa, é óbvio que não existe
o tempo, as suas palavras e as suas ações são eternas, valem sempre e para
sempre. Eu queria contar o homem, não
Deus”.
Indagado
sobre como trabalhou para escrever o livro, Aslan informou:
Comecei
as pesquisas há 20 anos, primeiro como estudante, e depois como professor. Usei
as fontes diretas da época, traduzi as versões originais do Novo Testamento: me
movimentei segundo os critérios científicos que geralmente se usamos na
universidade para qualquer pesquisa. Depois, coloquei tudo o que encontrei no
relato, tentando fascinar o leitor, levá-lo para dentro da fantástica vida de
Jesus. Mas cada linha que eu escrevi está documentada.
Perguntado
sobre se acompanha a ação do Papa Francisco, Aslan declarou:
“Certamente,
sou um entusiasta. Fui formado pelos jesuítas, e o método que eles me ensinaram
me levou a me apaixonar pelo Jesus histórico, antes ainda do que o religioso. O
meu livro está alinhado com a sua formação: ela relata um Cristo atento
principalmente aos pobres, à sua libertação, à sua salvação. Se o Papa
conseguir, como está conseguindo, se manter fiel às suas origens, ele trará à
Igreja uma transformação nunca antes vista. É o retorno a uma vida sob o sinal
da vocação, longe da burocracia do poder: o seu exemplo será revolucionário. Eu
tenho certeza disso”.
UM MUÇULMANO
CONTA A HISTÓRIA DE UM JESUS REBELDE
TRECHOS
DA REPORTAGEM DE VIVIANA MAZZA, PUBLICADA NO CADERNO LA LETTURA, DO JORNAL CORRIERE DELA SERA, EM 11 DE AGOSTO DE 2013:
“O livro de Aslan vai em busca da figura
histórica de Jesus: não o filho de Deus contado nos evangelhos, mas sim o judeu
analfabeto do pobre vilarejo de Nazaré, que chamou o seu povo a se rebelar
contra a ocupação romana e os sacerdotes do templo. As suas fontes são
livros, artigos e pesquisas de outros estudiosos e documentos históricos da
época (30% de “Zealot – The life and times of Jesus of Nazareth” é dedicado às
notas e à bibliografia).
O
autor, que leciona tanto escrita criativa quanto estudos religiosos na
Universidade da Califórnia em Riverside, não muito longe de Los Angeles,
explica que a sua intenção é divulgar
conteúdos que já são conhecidos dos estudiosos da Bíblia e difundi-los junto a
um público mais amplo do que o acadêmico. O resultado – observa – é que, de
um lado, há aqueles que acham o meu livro controverso e chocante, e, de outro,
aqueles que lamentam que não há nada de novo”.
Certamente,
o livro de Aslan contradiz diversos ensinamentos do Novo Testamento. O seu
Jesus não é filho de uma virgem, mas (talvez) de uma mãe solteira; tem vários
irmãos e irmãs e (talvez) uma esposa; mas, acima de tudo, não morreu pelos
nossos pecados, mas foi eliminado porque era um revolucionário nacionalista que
queria subverter a ordem religiosa, econômica e política.
Aslan
explica: “Jesus, o homem, é uma figura
incrível. Ele ousou desafiar o maior império do mundo e perdeu, mas fez isso em
nome dos pobres, dos fracos, dos deserdados”.
JESUS ERA COMO OS OUTROS MESSIAS
TRECHOS
DE ENTREVISTA DE REZA ASLAN À REVISTA ÉPOCA DE DEZEMBRO DE 2013
Época – O senhor defende em seu livro uma
tese polêmica: o Jesus histórico foi um revolucionário. O senhor acredita que
Jesus estava mais pra Che Guevara que para Ghandi?
Reza
Aslan – Jesus foi o maior revolucionário de todos os tempos.
As pessoas têm dificuldade de compreender isso porque veem o Cristo da religião
com o olhar do nosso tempo. No tempo de Jesus, não havia separação entre
política e religião. Ambas eram a mesma coisa.
É incorreto dizer que Jesus era só um líder espiritual ou só um líder político. Ele era os dois. Toda e qualquer palavra proferida por Jesus tinha implicações políticas, por mais espirituais que fossem.
Nesse livro, tento tirar as camadas de teologia, misologia, lenda e doutrina que se sobrepuseram ao Jesus histórico. Quis compreender o mundo em que Jesus viveu. Meu livro é sobre as implicações das palavras de Jesus em seu mundo, em seu tempo. É também sobre as diferenças entre Jesus de Nazaré e o Cristo da fé, criado pelos evangelhos e pela Igreja.
É incorreto dizer que Jesus era só um líder espiritual ou só um líder político. Ele era os dois. Toda e qualquer palavra proferida por Jesus tinha implicações políticas, por mais espirituais que fossem.
Nesse livro, tento tirar as camadas de teologia, misologia, lenda e doutrina que se sobrepuseram ao Jesus histórico. Quis compreender o mundo em que Jesus viveu. Meu livro é sobre as implicações das palavras de Jesus em seu mundo, em seu tempo. É também sobre as diferenças entre Jesus de Nazaré e o Cristo da fé, criado pelos evangelhos e pela Igreja.
Época – Qual a diferença entre o Jesus
histórico e o Cristo da fé?
Reza
Aslan – O Jesus da
história era um judeu pregando o judaísmo para outros judeus. O Cristo da fé,
aquele que lemos nos Evangelhos e na teologia cristã, é alguém divorciado do
judaísmo, alguém pregando uma nova fé, uma nova religião.
Jesus proclamava-se o Messias, mas, quando dizia isso, se referia ao messias do judaísmo. Se Jesus de fato pensasse ser o Deus encarnado, teria sido o primeiro judeu da história a pensar assim. Porque o conceito de um homem divino viola 5 mil anos de história, tradição e religião judaicas. Não é plausível que Jesus se considerasse um Deus encarnado.
Jesus proclamava-se o Messias, mas, quando dizia isso, se referia ao messias do judaísmo. Se Jesus de fato pensasse ser o Deus encarnado, teria sido o primeiro judeu da história a pensar assim. Porque o conceito de um homem divino viola 5 mil anos de história, tradição e religião judaicas. Não é plausível que Jesus se considerasse um Deus encarnado.
Sobram
duas opções:
Ø Jesus
nunca disse isso e era como todas as outras centenas de messias de seu tempo;
Ø Jesus
acreditava nisso e era absolutamente único, diferente de todos os judeus que
vieram antes ou depois dele.
Como historiador, acredito que Jesus era como todos os outros messias de seu tempo e nunca disse ser o Deus encarnado do Novo Testamento.
Época
– E por que Jesus
inspirou tantos a segui-lo?
Reza
Aslan – Isso tem menos a ver com espiritualidade e mais com
os ensinamentos de Jesus. São ensinamentos únicos e extraordinários. Jesus teve uma visão de uma nova ordem
mundial, em que ricos e pobres trocariam de lugar. Os primeiros se tornariam os
últimos, e os últimos se tornariam os primeiros. O apelo dessa mensagem
depois da morte de Jesus se perpetuou menos pelo que Jesus disse ou fez e mais
pelo que seus discípulos escreveram e disseram sobre ele.
Época – Então a mensagem de Cristo foi
reinventada?
Reza
Aslan – Os seguidores
de Jesus, os homens que escreveram os Evangelhos anos ou décadas depois de sua
morte, tentaram esconder ou amenizar o aspecto político da vida de Jesus.
Primeiro, porque Jesus falhou em sua
missão. O que sabemos de fato sobre Jesus? Que ele era judeu,
que começou um movimento judaico no século I e, como resultado desse movimento,
foi condenado à morte na cruz por crimes contra o Estado (Roma). As ambições políticas de Jesus, falharam.
Segundo, a definição de messias, no
tempo de Jesus, era um descendente do rei Davi, que restabeleceria o Reino de
Davi na Terra. Se você diz ser um messias e morre sem
restabelecer o Reino de Davi, você não é um messias. Todos os outros messias, e
forma centenas, prometeram restabelecer o reino de Davi. Foram tão bem
sucedidos quanto Jesus. Nenhum cumpriu a promessa, e todos foram chamados de
falsos messias.
A diferença é que os seguidores de
Jesus tentaram dar um sentido a sua falha, mudaram o significado de messias,
o deixaram menos judeu, mais espiritual, Quando fizeram isso, o tornaram mais
atraente para os não judeus.
Época – De que forma?
Reza
Aslan - Jesus foi
condenado à crucificação por crimes contra o Estado. Roma reservava a crucificação
a crimes contra o Estado.
Como convencer Roma a aceitar um movimento
de um homem que pretendia tirar Roma do poder? Basta dizer que o reino
prometido por Jesus não era o terreno, mas sim o divino, que Jesus não tinha
ambições políticas, não ameaçava o Império Romano. Assim, você diz que é possível ser cristão
sem ser uma ameaça ao Estado.
Todas
essas mensagens foram incorporadas ao cristianismo e ajudaram em sua expansão.
Décadas depois da morte de Jesus, os seguidores não judeus de Cristo superaram
os seguidores judeus. Cem anos depois, não havia quase ligação alguma entre o
cristianismo e o judaísmo. E, pelos 2 mil anos, o cristianismo tem sido uma
religião que confortavelmente se casa com o Estado. Como faz isso? Proclamando
que não tem interesse em governar este mundo, não se apega às coisas terrenas.
Época – As críticas mais contundentes a seu
livro dizem que o senhor usou as fontes de pesquisa que melhor se adaptavam à
suas teses e descartou as demais. Qual foi seu critério?
Reza
Aslan – Essa é uma crítica feita por não especialistas. Os
leigos olham para os evangelhos e acham que tudo o que está escrito em Mateus,
Marcos, Lucas e João é igualmente válido. Isso é um absurdo.
Há
200 anos definiu-se uma metodologia de estudo para saber o que é confiável do
ponto de vista histórico nos Evangelhos. Para o leigo, parece que escolho
apenas o que me interessa. Mas fui metódico. Não usei o evangelho de João como
fonte de pesquisa, porque ele é tardio, escrito quase um século depois da morte
de Jesus. Usei apenas o evangelho de Marcos, visto universalmente como o mais
preciso historicamente.
Os evangelhos não são história, não
são fatos. São argumentos teológicos. Minhas fontes foram os
documentos históricos sobre o tempo em que Jesus viveu e partes comprováveis
dos Evangelhos. Rejeito as histórias da natividade, a fuga da família de Jesus
para o Egito e outros acontecimentos imprecisos. Tais histórias são lendas e
mitos.
Época - Sua entrevista na Fox News se
espalhou pela internet. O que o senhor pensou quando Laura Green perguntou
sobre um muçulmano escrever sobre Jesus?
Reza
Aslan – Fiquei surpreso mas depois entendi. Há um sentimento
antimuçulmano em níveis sem precedentes na história dos EUA. Em nenhum lugar
isso é mais óbvio que na Fox News. É uma emissora que alimenta o medo como
receita de sucesso.
Existem milhões de pessoas que não conseguem compreender que a religião é um estudo acadêmico. São pessoas que confundem o estudo da religião com a fé individual. Religião também é uma disciplina acadêmica. Uma disciplina em que muçulmanos escrevem sobre hindus, e hindus escrevem sobre cristãos e cristãos escrevem sobre judeus. Isso é totalmente normal. Somos historiadores.
Existem milhões de pessoas que não conseguem compreender que a religião é um estudo acadêmico. São pessoas que confundem o estudo da religião com a fé individual. Religião também é uma disciplina acadêmica. Uma disciplina em que muçulmanos escrevem sobre hindus, e hindus escrevem sobre cristãos e cristãos escrevem sobre judeus. Isso é totalmente normal. Somos historiadores.
NÃO VIM TRAZER A PAZ, MAS A ESPADA
TRECHOS DA REPORTAGEM DE
REINALDO JOSÉ LOPES, PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, DE 24 DE NOVEMBRO
DE 2013
Livro de autor norte-americano de
origem iraniana defende que as pregações de Jesus convocando o “Reino de Deus”
sejam lidas de forma mais literal e revolucionária que espiritual.
“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas a espada. Vim trazer divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe”, declara Jesus no capítulo 10 do Evangelho de Mateus.
“Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas a espada. Vim trazer divisão entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe”, declara Jesus no capítulo 10 do Evangelho de Mateus.
Durante séculos, a maioria dos cristãos interpretou a frase belicosa do Nazareno de modo espiritual. Afinal, se levadas ao pé da letra, as exigências de Cristo para abandonar riquezas, casa, pais e filhos para segui-lo não estão entre os assuntos mais agradáveis para um almoço familiar de domingo.
Eis, em essência, a premissa de “Zelota: a Vida e a Época de Jesus de Nazaré”, novo livro de Aslan que acaba de ser lançado no Brasil: Jesus não era um mestre pacifista, que só pensava em exaltar as virtudes dos lírios do campo e oferecer a outra face.
O principal objetivo do profeta de
Nazaré, fomentar a vinda do “Reino de Deus”, equivalia a um programa político
(e revolucionário), que envolvia a expulsão dos romanos da Palestina e a
recriação da antiga e gloriosa monarquia israelita, com o próprio Jesus no
trono, sob as bênçãos de Deus.
Daí
o nome do livro: zelota (do grego
“zelotes”) é como os autores bíblicos denominavam os judeus especialmente
zelosos das prerrogativas religiosas do Deus de Israel – uma divindade que, ao
menos no Antigo Testamento, era capaz de uma aterrorizante fúria militar contra
os inimigos dos israelitas. Mais tarde, o termo seria usado para designar uma
seita revolucionária judaica.
“Vamos
colocar a coisa da seguinte forma: há aqueles que acham que Jesus era total e
absolutamente único, diferente de todos os judeus de seu tempo. E há os que
acham que, embora ele fosse extraordinário e inovador, ainda assim seu
pensamento tinha muito em comum com o de outros judeus. Eu faço parte desse
segundo grupo”, explicou Aslan, em entrevista por telefone.
“Os demais judeus do século 1º d. C.
acreditavam que o Messias era um descendente do rei Davi cujo trabalho seria
derrotar os inimigos de Israel e implantar o Reino de Deus na Terra. Acredito
que essa era a visão que Jesus tinha sobre si mesmo”.
A
abordagem do escritor é, em grande medida, uma espécie de “retorno ao básico”
na pesquisa histórica sobre a figura de Jesus Cristo.
Um
dos primeiros intelectuais a tentar uma interpretação secular para entender
quem foi o Nazareno, o alemão Samuel Reimarus (1694-1768), já defendia que os
objetivos de Jesus eram basicamente políticos.
Aslan
diz que não há muito mistério sobre o por que desse aparente fracasso
acadêmico. “Fora do Novo Testamento, simplesmente não há nenhum traço de
evidências a respeito de Jesus que seja do século I d.C.”, afirma.
“Creio que até existe algum consenso, mas
ele é muito limitado. Podemos dizer que Jesus era um judeu, que iniciou um
movimento para os judeus da Palestina, e que Roma o executou como inimigo do
Estado. E é só”, diz Aslan.
“O que conseguimos fazer é pegar esse pouquinho e colocá-lo no contexto do mundo no qual Jesus viveu, sobre o qual sabemos muita coisa. Sempre há a possibilidade de que alguma nova descoberta arqueológica mude esse cenário. Mas por enquanto isso não aconteceu”.
“O que conseguimos fazer é pegar esse pouquinho e colocá-lo no contexto do mundo no qual Jesus viveu, sobre o qual sabemos muita coisa. Sempre há a possibilidade de que alguma nova descoberta arqueológica mude esse cenário. Mas por enquanto isso não aconteceu”.
Diante
de tal pobreza de dados, talvez não seja surpreendente que haja hoje no mercado
uma variedade enorme de interpretações sobre Jesus.
“Não
acho que eu esteja explorando algum terreno realmente novo na questão”, pondera
Aslan. “Consegui apenas reunir os
principais dados e argumentos de uma maneira coerente e que pode ser
compreendida pelo leitor não especializado”.
Apesar
da modéstia, Aslan teve peito para defender posições controversas mesmo para os
padrões da pesquisa sobre o Jesus histórico.
Ele vê a célebre “purificação do Templo” (episódio no
qual Jesus expulsa cambistas e vendedores de animais do local mais sagrado de
Jerusalém) como um ataque político
direto à corrupção da elite sacerdotal judaica, aliada a Roma, coisa com a
qual muitos outros estudiosos concordam.
Mas vai além e argumenta que a passagem na qual Jesus diz “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” é, na verdade, uma frase sutilmente subversiva. Da mesma forma, a ideia de “oferecer a outra face” seria aplicável apenas a irmãos judeus, não a pagãos ocupando Jerusalém, ou a qualquer outro não judeu.
“O
judaísmo era tudo que Jesus conhecia e pregava. Ele mesmo afirmou que não veio
para abolir nem uma só letra da Lei de Moisés”, diz Aslan. “O mandamento de
amar o próximo já estava presente no judaísmo, mas valia apenas para membros da
comunidade de Israel”.
PROGRAMA MILÊNIO – 27/01/2014
ENTREVISTA DO HISTORIADOR REZA ASLAM
POR JORGE PONTUAL
Os
evangelhos contam a história de Jesus Cristo. Mas o que dizem outras fontes
sobre quem foi realmente Jesus – o Jesus histórico? Pouquíssimos documentos
sobreviveram à passagem dos milênios, mas desde o século XIX pesquisadores
trabalham para responder à pergunta.
O
historiador da Religião Reza Aslan, reuniu as principais conclusões no livro “Zelota, a Vida e o Tempo de Jesus de
Nazaré”. Um best-seller nos Estados Unidos, o livro provocou a ira de
fundamentalistas cristãos que atacaram Aslan: “Como é possível que um muçulmano
fale sobre Jesus?”
De
passagem por Nova York, Reza Aslan, o jovem americano de origem iraniana, que
vive na Califórnia, recebeu Milênio para defender a sua versão de quem teria
sido o Jesus histórico.
Jorge Pontual – O que o levou a estudar o Jesus histórico?
Reza
Aslan – Ouvi a história do evangelho pela primeira vez aos
quinze anos, numa colônia de férias evangélica ao norte da Califórnia, essa
mensagem do deus do céu e da terra, descendo na forma de um bebê e morrendo por
nossos pecados e de que quem também acredita nele também terá a vida eterna. Eu
nunca tinha ouvido nada parecido na vida. Foi uma experiência transformadora.
Eu me converti e virei cristão evangélico e passei os quatro ou cinco anos
seguintes pregando essa mensagem a todos que eu conhecia.
Quando entrei na faculdade decidi que meu trabalho seria estudar o Novo Testamento e foi nesse momento que eu tive a experiência que acho muita gente na mesma situação tem: a percepção de que muita coisa que eu julgava saber sobre Jesus era incompleta, senão incorreta. Que há um abismo entre o Cristo da fé ao qual fui apresentado na Igreja e o Jesus histórico sobre quem eu aprendia na Universidade. E fiquei mais interessado no Jesus histórico. Ele se tornou mais real pra mim, mais acessível e até mais simpático. O livro surgiu disso. Eu quis escrever sobre esse homem.
Quando entrei na faculdade decidi que meu trabalho seria estudar o Novo Testamento e foi nesse momento que eu tive a experiência que acho muita gente na mesma situação tem: a percepção de que muita coisa que eu julgava saber sobre Jesus era incompleta, senão incorreta. Que há um abismo entre o Cristo da fé ao qual fui apresentado na Igreja e o Jesus histórico sobre quem eu aprendia na Universidade. E fiquei mais interessado no Jesus histórico. Ele se tornou mais real pra mim, mais acessível e até mais simpático. O livro surgiu disso. Eu quis escrever sobre esse homem.
Jorge Pontual - Como acadêmico de estudos religiosos como construiu o seu Jesus
histórico?
Reza
Aslan – Em relação à minha formação, tenho vários diplomas
em História e Sociologia das Religiões. Eu me especializei no que se chama hoje
de religiões ocidentais ou abraâmicas: Islamismo, Judaísmo e Cristianismo e me
interesso principalmente pelas questões das origens das religiões. Meu primeiro
livro era sobre a origem do Islamismo. Esse é sobre as origens do Cristianismo.
Embora eu queira deixar claro, que o livro Zelota, não é sobre o Cristianismo porque Jesus não era cristão, ele era judeu. É um livro sobre o Judaísmo e o que eu diria a quem me pergunta qual é a diferença entre o Cristo da fé e o Jesus histórico é que a principal diferença é que o Jesus histórico era um judeu pregando o judaísmo a outros judeus. Quando você se dá conta disso, surge uma nova forma de pensar sobre quem foi esse homem.
Embora eu queira deixar claro, que o livro Zelota, não é sobre o Cristianismo porque Jesus não era cristão, ele era judeu. É um livro sobre o Judaísmo e o que eu diria a quem me pergunta qual é a diferença entre o Cristo da fé e o Jesus histórico é que a principal diferença é que o Jesus histórico era um judeu pregando o judaísmo a outros judeus. Quando você se dá conta disso, surge uma nova forma de pensar sobre quem foi esse homem.
Jorge Pontual – Mas você descobriu alguma prova nova, algo que as
pessoas desconheciam?
Reza
Aslan – A busca pelo Jesus histórico tem uns 200 anos. Faz
dois séculos que os estudiosos tem procurado pelo Jesus histórico. Então, para
ser franco, a essa altura há muita pouca novidade a ser dita sobre Jesus com
exceção de algumas descobertas arqueológicas.
A última grande descoberta que fizemos foi a dos Manuscritos do Mar Morto e a dos Evangelhos Gnósticos que nos ensinaram muito sobre a enorme diversidade existente no cristianismo dos séculos II e III. Mas infelizmente elas não revelaram muito sobre o Jesus histórico. Já os Manuscritos do Mar Morto que foram escritos por judeus que compartilhavam vários sentimentos de Jesus e que foram escritos mais ou menos na época em que Jesus viveu geraram uma nova forma de pensar o mundo em que Jesus viveu.
Portanto o meu principal recurso para reconstruir a vida e a época de Jesus foi o próprio mundo dele. O que tento fazer é destilar esse debate de 200 anos que só acontece na academia, apenas entre estudiosos, e torná-lo acessível e atraente a um público mais abrangente. Quero que todo mundo se envolva nessa discussão.
A última grande descoberta que fizemos foi a dos Manuscritos do Mar Morto e a dos Evangelhos Gnósticos que nos ensinaram muito sobre a enorme diversidade existente no cristianismo dos séculos II e III. Mas infelizmente elas não revelaram muito sobre o Jesus histórico. Já os Manuscritos do Mar Morto que foram escritos por judeus que compartilhavam vários sentimentos de Jesus e que foram escritos mais ou menos na época em que Jesus viveu geraram uma nova forma de pensar o mundo em que Jesus viveu.
Portanto o meu principal recurso para reconstruir a vida e a época de Jesus foi o próprio mundo dele. O que tento fazer é destilar esse debate de 200 anos que só acontece na academia, apenas entre estudiosos, e torná-lo acessível e atraente a um público mais abrangente. Quero que todo mundo se envolva nessa discussão.
Jorge Pontual – Quem eram os zelotas? Jesus era um deles?
Reza
Aslan – O fenômeno dos zelotas era comum na época de Jesus.
A maioria dos judeus, no mundo de Jesus provavelmente diria que zelava pelo
nome de Deus.
O termo zelo é na verdade um princípio
bíblico e significa principalmente uma devoção inflexível à autoridade suprema
de Deus. É uma recusa a servir a qualquer outro mestre que não seja o Senhor do
Universo. E é algo que está no coração da Torah que diz que a terra que Deus separou para os seus
escolhidos não pode ser ocupada por mais ninguém.
Para
Jesus e os outros judeus isso era um conflito muito real. Eles viviam numa terra que estava sob uma ocupação brutal e sangrenta
de um império romano pagão. O zelo forçava, obrigava os judeus a defenderem a
sua terra contra esse império pagão. Então, muitos judeus, a maioria eu
diria, provavelmente se autodenominariam zelotas, com orgulho, mas alguns
zelotas, realmente, radicalizaram. Enfrentaram tanto o império romano quanto os
colaboradores judeus, a elite rica e aristocrática que apoiava a ocupação
romana. E o argumento do livro é que quando você analisa os ensinamentos e as
ações de Jesus, o fenômeno dos zelotas era amplamente difundido, era impossível
de ser esquecido.
Jorge Pontual – Como você separa os ensinamentos do Jesus histórico
do que foi adicionado aos evangelhos?
Reza
Aslan – É importante
entender que os evangelhos não são relatos de testemunhas oculares de
acontecimentos históricos. São argumentos teológicos escritos por fiéis, muitos
anos depois dos acontecimentos que descrevem.
Em outras palavras, os escritores dos
evangelhos já acreditavam que Jesus era o messias, o filho de Deus, o Deus
encarnado. Eles escreveram os evangelhos para provar essa crença.
E, portanto, os evangelhos são um
argumento, são um lado do debate não uma história, uma biografia nos termos
atuais.
Então,
o que um estudioso tem de fazer, é pegar
as declarações dos evangelhos, e analisá-las segundo o que sabemos sobre a
época em que foram escritas e a época que descrevem, que são diferentes, para tentar descobrir o que é e o que não é
historicamente correto.
Mas,
como eu disse, esse processo existe há muito tempo. As ferramentas à disposição
dos estudiosos para decidir o que é e o que não é provável nos evangelhos,
existem há muitos anos e a esta altura
há uma razoável unanimidade entre os estudiosos em relação ao que é e o que não
é mais histórico. Apesar disso ainda há muita discussão. Nem todo mundo
concorda em tudo.
Há uma unanimidade em relação a certos
versículos e certas passagens que são descartadas pela maioria. Por exemplo, as
passagens sobre a natividade, as histórias sobre o nascimento de Jesus que
encontramos em Mateus e Lucas, pouquíssimos estudiosos levam aquelas historias
à sério.
Jorge Pontual – Pode dar um exemplo desse Jesus revolucionário e uma
de suas pregações?
Reza Aslan – Talvez o exemplo mais famoso e um em que a maioria dos estudiosos concorda como sendo historicamente correto, seja a sua declaração sobre o pagamento de tributos.
É uma declaração que a maioria das pessoas conhece, aquele famoso momento em que as autoridades judaicas preparam uma armadilha para Jesus perguntando a ele se é legítimo pagar os imposto a César ou não. O interessante é que os evangelhos dizem que os judeus estavam preparando uma armadilha mas não dizem qual é. Isso porque o público original dos evangelhos sabia exatamente do que se falava. Mas nós, dois mil anos depois não entendemos o contexto.
Reza Aslan – Talvez o exemplo mais famoso e um em que a maioria dos estudiosos concorda como sendo historicamente correto, seja a sua declaração sobre o pagamento de tributos.
É uma declaração que a maioria das pessoas conhece, aquele famoso momento em que as autoridades judaicas preparam uma armadilha para Jesus perguntando a ele se é legítimo pagar os imposto a César ou não. O interessante é que os evangelhos dizem que os judeus estavam preparando uma armadilha mas não dizem qual é. Isso porque o público original dos evangelhos sabia exatamente do que se falava. Mas nós, dois mil anos depois não entendemos o contexto.
A cena é a seguinte: Jesus acaba de entrar triunfante em Jerusalém proclamando-se o novo rei dos judeus. Ele participou de um ato de traição ao expulsar do Templo os cambistas e os animais para o sacrifício. Nesse momento os próprios discípulos reconhecem o fanatismo nas ações de Jesus e relembram o versículo mencionado pelo rei Davi: “O zelo por vossa casa me consome”. Exatamente depois disso as autoridades judaicas decidem fazer uma pergunta para que Jesus se entregue enquanto zelota. Então, vão até ele e perguntam: Rabi, devemos pagar o tributo a César ou não?
Não
se trata de uma pergunta simples. O
pagamento de tributos na época de Jesus era o teste definitivo do fanatismo.
Simplificando o máximo possível, os
zelotas se recusavam a pagar tributo à Roma, porque ao contrário dos
impostos que todo mundo pagava dependendo da propriedade que tinha, o tributo
era um pagamento extra de um denário, que todos os homens judeus faziam ao
Imperador como sinal de sua
subserviência à Roma. Era um sinal
de que a terra pertencia à Roma. Portanto, todos os homens tinham que pagar
essa moeda simbólica.
A fala seguinte de Jesus ficou famosa:
A fala seguinte de Jesus ficou famosa:
Mostre-me
um denário. Alguém lhe dá uma moeda e ele diz: De quem são o rosto e o nome
nessa moeda? Dizem que são de César. E então Jesus diz algo que por muitas
gerações desde a Bíblia King James, é entendido não só em inglês mas em muitas
línguas, como “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Mas não é isso que Jesus diz. A
palavra grega que ele usa não significa dar. É na verdade uma palavra composta
que significa DEVOLVER. A palavra em si, significa devolver
algo a alguém que é dono da coisa. Se eu pegasse algo emprestado com você, eu
devolveria. O que Jesus quer dizer é devolva a moeda à César porque é dele! O
nome e o rosto dele estão nela. Mas devolva
à Deus o que é de Deus, e todo judeu daquela época que ouviu isso sabia
exatamente o que era de Deus: a terra
era de Deus.
Portanto, esse se torna o momento em que Jesus
se entrega enquanto zelota. E de fato, quase imediatamente depois disso ele se
esconde porque os romanos tentam prendê-lo. E ele é levado à justiça logo
depois.
Jorge Pontual – Qual era o significado do reino de Deus, para o
Jesus histórico?
Reza
Aslan – Acho que a maioria dos estudiosos concorda que os
ensinamentos de Jesus se baseiam nessa noção do Reino de Deus. Mas muito se
discute sobre o que Jesus queira dizer quando falava no Reino de Deus. Mas
quando analisamos as primeiras declarações de Jesus, principalmente no
evangelho de Marcos, o primeiro escrito por volta do ano 70 d.C., o que
percebemos é que Jesus descreve um reino
muito real, um reino presente que ele presumia que fosse criado na terra
durante a sua vida. Ele diz que há pessoas que não morrerão antes de se
verem no reino de Deus criado na Terra.
Entenda
que o papel do Messias, como descendente do rei Davi era restaurar o reino de
Davi. Então, acho, que quando Jesus se
referia ao reino de Deus, também se refere ao reino de Davi. Pra ele os dois
são a mesma coisa.
O reino de Deus para Jesus era uma nova ordem mundial, uma na qual os ricos e os pobres trocariam de lugar. Quem está em cima, desceria, e quem está em baixo subiria. Quando Jesus fala que os pobres herdarão o reino de Deus, os famintos serão alimentados, os que pranteiam se alegrarão, as pessoas esquecem que ele continua falando do outro lado deste argumento: os ricos já receberam consolo, os que tiveram comida, passarão fome, os que riram, chorarão.
Jesus, em sua concepção do Reino de Deus, não descreve uma fantasia utópica onde todos são iguais, ele está descrevendo uma realidade assustadora, na qual os pobres e os ricos trocam de lugar, na qual os primeiros serão os últimos. E os últimos serão os primeiros. Ele descreve a inversão da ordem social e como pode imaginar essa era uma mensagem atraente para quem estava na base da escala social, e ameaçadora para quem estava no topo e no final é o que o leva à morte.
O reino de Deus para Jesus era uma nova ordem mundial, uma na qual os ricos e os pobres trocariam de lugar. Quem está em cima, desceria, e quem está em baixo subiria. Quando Jesus fala que os pobres herdarão o reino de Deus, os famintos serão alimentados, os que pranteiam se alegrarão, as pessoas esquecem que ele continua falando do outro lado deste argumento: os ricos já receberam consolo, os que tiveram comida, passarão fome, os que riram, chorarão.
Jesus, em sua concepção do Reino de Deus, não descreve uma fantasia utópica onde todos são iguais, ele está descrevendo uma realidade assustadora, na qual os pobres e os ricos trocam de lugar, na qual os primeiros serão os últimos. E os últimos serão os primeiros. Ele descreve a inversão da ordem social e como pode imaginar essa era uma mensagem atraente para quem estava na base da escala social, e ameaçadora para quem estava no topo e no final é o que o leva à morte.
Jorge Pontual – Como foi que o Reino de Deus passou a significar algo
totalmente diferente – a eternidade, o reino dos céus?
Reza
Aslan – É importante entendermos que os evangelhos foram
escritos depois do ano 70 d.C. O que aconteceu nesse ano? Como resultado de uma
rebelião de zelotas, em 66 d.C., em Jerusalém, os romanos marcharam até a
cidade sagrada e a incendiaram, mataram cerca de 100 mil judeus, e destruíram o Templo, e o judaísmo deixou de ser um culto legítimo
no império romano.
Os
cristãos tinham uma decisão simples a tomar: continuar a pregar o evangelho aos
judeus que são párias no império romano, ou se concentrar exclusivamente, num público
não judeu, ou romano.
Fica
bem claro, quando lemos os evangelhos,
que eles não foram escritos para um público judeu.
1. Porque eles foram escritos em grego,
não em aramaico, a língua de Jesus; nem em hebraico, a língua dos judeus.
2. Porque eles descrevem continuamente,
rituais judaicos, explicam as coisas judaicas que Jesus e seus seguidores fazem,
claramente porque são destinados a um público não judeu.
Mas
principalmente, porque se você fosse pregar a um público não judeu teria que
fazer três coisas importantes:
1. Teria que descrever um Jesus, um pouco
menos judeu; ou seja, teria que remover o contexto
etnonacionalista de seus ensinamentos e transformá-los em princípios éticos
abstratos que todos aceitariam independentemente de sua raça ou cultura.
É
difícil convencer a um grupo de romanos a se associar a um movimento fundado
por um camponês judeu, é preciso torná-lo menos judeu.
2. Precisa torná-lo um pouco menos
revolucionário, precisa adaptar as declarações revolucionárias de Jesus.
Novamente
é muito difícil convencer os romanos a seguirem um movimento iniciado por um
homem cuja motivação era tirar Roma do poder. Não é um argumento muito bom.
É
a essa altura que vemos a espiritualização
da mensagem de Jesus:
Ø O Reino de Deus não é um reino
terreno, é celestial. Jesus não queria mudar o reino terreno. Seu único
interesse era o reino dos céus.
Ø O Messias não está interessado em
restaurar o reino de Davi na terra. O Messias era uma figura
espiritual. Seu reino virá no final dos tempos.
Isso significa retirar qualquer ameaça
de caráter político que o movimento de Jesus pode apresentar aos romanos. Você tenta convencer Roma de que se trata
de um movimento puramente espiritual, sem nenhum objetivo político.
3. É preciso retirar a culpa de Roma pela morte de Jesus. Roma não pode ter matado este homem. Foram os judeus que o mataram.
Talvez
essa foi a mais importante coisa que se precisou fazer para tornar a mensagem
do evangelho palatável aos romanos.
É
isso que você vê nos evangelhos, desde o primeiro de Marcos, até o último de
João. É uma progressão constante. Toda a culpa é retirada de Pôncio Pilatos e
colocada diretamente sobre os judeus. Foram os judeus que mataram Jesus o que
por sinal é um argumento perfeito para desjudaizar Jesus. Além de Jesus não ser
judeu, foram os judeus que o mataram.
Jorge Pontual – São Paulo estava por trás disso?
Reza
Aslan – Paulo certamente teve um papel muito importante na
dissociação desse movimento de suas conexões judaicas. Paulo disse que Cristo
era o fim da Torah. O que ele tentou
fazer foi transformar o movimento em algo novo e diferente, algo que claramente
não era mais o judaísmo.
É importante entender, que durante a
vida de Paulo, a sua versão do movimento, foi uma versão marginal.
Na verdade, Paulo não era nada popular
na comunidade de cristãos. Ele vivia
em conflito com a assembléia de Jerusalém e os principais líderes do movimento:
Tiago, o irmão de Jesus; Pedro, o primeiro apóstolo e João.
Esses três líderes que conheceram Jesus, viajaram e conversaram com ele, ao contrário de Paulo, que nunca conheceu Jesus. Eles eram os verdadeiros líderes da comunidade e sua interpretação do movimento era muito mais judaica do que a interpretação de Paulo.
Esses três líderes que conheceram Jesus, viajaram e conversaram com ele, ao contrário de Paulo, que nunca conheceu Jesus. Eles eram os verdadeiros líderes da comunidade e sua interpretação do movimento era muito mais judaica do que a interpretação de Paulo.
Foi
depois da morte de Paulo, da destruição de Jerusalém, e com ela a destruição da
primeira igreja de Jerusalém, a igreja que foi liderada por Pedro, João e
Tiago, que a visão de Paulo do cristianismo separado do judaísmo, um
cristianismo mais romano e helenístico, ganhou força.
Jorge Pontual - Qual a relevância para nós desse Jesus
revolucionário?
Reza
Aslan –
Se há alguma lição para ser aprendida hoje com o exemplo revolucionário de
Jesus, é a de que todas as pessoas, em todas as épocas usarão a religião em
busca de um propósito e uma identidade quando sua dignidade lhes fosse
retirada. Isso aconteceu com os judeus vivendo sob a ocupação romana há dois
mil anos e também acontece com os muçulmanos vivendo sob ocupação judaica dois
mil anos depois. Acho que um fato fundamental em relação à religião é que ela
oferece uma sensação de propósito e de identidade, e quando você é
marginalizado e se sente pessoalmente
atacado, a religião preenche um espaço
para o bem e para o mal. Às vezes, por motivos pacíficos, outras por motivos violentos, mas esse é o poder que a religião tem. Essa é
uma lição a ser aprendida sobre a vida e a época de Jesus.
Jorge Pontual – Acho que o nosso tempo acabou. Obrigado!
OLÁ ROSA ! FICAMOS MUITO GRATOS POR INFORMAR A RESPEITO DESSE ASSUNTO, CONCORDO COM OS COMENTÁRIOS A RESPEITO, SEMPRE QUESTIONEI A EXISTÊNCIA DESSA INTERPRETAÇÃO DE JESUS POLÍTICO E RELIGIOSO, EXCELENTE OS ARGUMENTOS DE REZA ASLAN.
ResponderExcluirEle deveria escrever sobre maome e eu queria ver e ler.
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