sexta-feira, 28 de março de 2014

UM CERTO JOSÉ

                  UM CERTO JOSÉ



             
                    




 OLÁ, AMIGOS DE  TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE!


      No mês de março os católicos comemoram o dia de São José.

    São José ou José de Nazaré ou José, carpinteiro é, segundo o Novo Testamento, o esposo de Maria e o pai de Jesus.

    Descendente da casa real de Davi, é  venerado como santo pela Igreja Ortodoxa, Igreja Anglicana e Igreja Católica que o celebra como seu padroeiro universal. A Liturgia Luterana também dedica um dia – 19 de março – à sua memória, sob o título de “Tutor de Nosso Senhor”.

     Operário, é tido como “Padroeiro dos trabalhadores”, e, pela fidelidade a sua esposa e dedicação paternal a Jesus, como “Padroeiro das Famílias”, emprestando seu nome a muitas igrejas e lugares ao redor do mundo.

    Nesta oportunidade aproveitamos para divulgar um texto publicado pela revista Veja em 21 de dezembro de 2005, de autoria de Roberto Pompeo de Toledo, intitulado “Um certo José”.

     O texto abordava a pessoa de José, e provocava uma reflexão bem apropriada tendo em vista às vésperas do Natal.

    Antes do texto há uma exortação exatamente nesse sentido: “ Pensemos nesse Natal em sua figura quieta, singela, trancafiada em sua solidão, e talvez, em sua tristeza.”

    Direi: “Pensemos neste mês de março, em José de Nazaré, o carpinteiro...”

    Com vocês o instigante texto de Roberto Pompeo de Toledo.

Boa leitura e boas reflexões!



UM CERTO JOSÉ




     No Natal garantem-lhe um lugar. É quando ele assume seu posto no presépio, junto com a mulher, o menino, o burro, a vaca, os pastores e os misteriosos personagens chamados “reis magos”. É um dos poucos papéis que lhe atribuem. A rigor, um de apenas dois papéis – o outro é o de comandar a fuga da família para o Egito. Depois ele desaparece dessa história, talvez a mais conhecida do mundo, sem deixar rastro. Não avisam se morreu ou se foi embora. Ele é produto de dois roteiristas desatentos que, mal nos dão conta de sua existência, mudam de assunto e se esquecem dele sem remédio.






     Estamos falando de José, o esposo de Maria, mãe de Jesus – um estranho personagem, que se imagina solitário e taciturno, talvez triste, algo desamparado, mas cumpridor. Os dois roteiristas desatentos são os evangelistas Mateus e Lucas, os únicos a tratar da infância de Jesus. Mateus ainda lhe dedica um pouco mais de cuidado, e descreve seu incômodo ao saber que a mulher, que nunca tocara, estava grávida. É o melhor momento de José, o mais humano, o travão do marido traído a amargar-lhe a garganta – e a doer-lhe na testa. Estava ele ruminando sua infelicidade e o troco que iria dar a Maria – repudiá-la, ainda que discretamente, sem expô-la à execração pública – quando lhe aparece, em sonho, o Anjo do Senhor e informa que a gravidez era obra do Espírito Santo. Ah, bom, se é assim... José conforma-se a seu destino de marido de conveniência e pai de mentira.



     Grande coisa, diriam os mais céticos. Contando com a intimidade do Anjo do Senhor e as privilegiadas informações que este lhe sussurrara em sonho, quem ousaria agir diferentemente? Não nos deixemos corromper. O fato é que José era bom. O melhor dos homens. É possível supô-lo dia após dia em sua oficina de carpinteiro, silencioso, modesto, enquanto no filho despontavam excêntricos dotes e a mulher resplandecia no prestígio sem paralelo de ter dado à luz sendo virgem. 



     Nos primeiros mil anos de cristianismo, José não mereceu homenagens da Igreja Católica. Só em 1129 surge a primeira igreja a ele dedicada – em Bolonha, na Itália. Na famosa Legenda Áurea, um repositório de vidas de santos escrito por Jacopo de Varazze no século XIII, José nem foi incluído. Seu culto só começa de verdade no século XV, graças às pregações de São Bernardino de Siena, Jean de Gerson e outros. Nesse mesmo século o papa Sisto IV (1471-1484) finalmente o encaixa no calendário romano, reservando-lhe a data de 19 de março.



   José é desses personagens concebidos para resolver certos problemas no enredo. Logo na abertura do Evangelho de Mateus, ele resolve o primeiro, o de estabelecer uma conexão entre Jesus e Davi. Mateus apresenta uma genealogia que começa com Abrão, chega a Davi, e de Davi, 27 gerações depois, deságua em José. Cumpria-se assim a profecia de que o Messias nasceria no tronco de Davi, aparentemente tão necessária para convencer os incréus que para esse efeito o evangelista esquece de que José não era um pai de verdade. Outro problema que ele ajuda a resolver é o das várias menções, no Novo Testamento, aos “irmãos de Jesus”. Como a Igreja fazia questão de preservar a virgindade de Maria, mesmo depois do parto, surgiu a solução de atribuir os tais irmãos a um casamento anterior de José. Esta tese concorre com outra, mais favorecida pela Igreja Católica, segundo a qual, quando nos Evangelhos está escrito “irmãos”, deve-se ler “primos”. 



     Sobretudo, José resolve o problema de completar uma família em torno de Jesus. Esta a sua grande função no presépio: a de celebrar as virtudes da família nuclear, tão prestigiosa, no seu caso, que passa (e isso acontece na mesma época em que começa a ser cultuado) a se chamar de “sagrada”. Não menos de acordo com as realidades da vida é a família da mãe sozinha, e isso não só no tempo de Jesus com em todos os outros, o nosso inclusive. No Brasil, a cada quatro famílias, uma tem a mulher no comando. Mas um marido foi julgado necessário, mesmo que a mulher prescindisse de seus préstimos para gerar filhos, e lá foi José, obsequioso como era de sua natureza, assumir o encargo, ainda que intimamente talvez mortificado, ferido em seus brios de varão e de macho. Assim que se cumprem os relatos da infância de Jesus, ele desaparece de cena. Teria agora abandonado a família, assim como tantos pais? Prefere-se, em seu favor, imaginar que morreu. E se morreu, babau. Morreu tão completamente que os evangelhos não se deram ao trabalho de noticiar-lhe a morte.



     José é, por excelência, aquilo que no teatro e no cinema se chama de ator coadjuvante. Sua função é criar condições para que os outros brilhem. É uma função que exige nobreza de sentimentos, essenciais que lhe são a renúncia e o sacrifício. Pensemos em José, neste Natal, quieto em seu canto, rústico, singelo, trancafiado em sua solidão e seu sacrifício, talvez também em sua tristeza. Por uma vez, pensemos em sua morte, ao contemplar as figuras do presépio.


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